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CM Punk no século XV


O circo que permeia a saída de CM Punk da WWE ganhou mais um melódico capítulo nessa semana. Em entrevista, o antigo lutador confirmou aquilo que se tem ouvido nos últimos meses e, sabe-se lá o porquê, obteve uma reação midiática ruidosa – tão ruidosa ao ponto de a estreia de Sting na WWE perecer ao marasmo e cair ao esmo.

Nada de inédito foi anunciado nos últimos sete dias. A saída de Punk - sabia-se desde o início - passou longe de estar em termos amigáveis e perfez-se justamente após conflitos pessoais com a direção da WWE. Entretanto, ouvir a história a partir da boca de quem lá esteve é sem dúvida fascinante e instiga curiosidade.

Não posso deixar de notar que CM Punk não é um bom moço – muito pelo contrário. Arrogante, usa todo o seu talento para justificar que, embora ganhando milhões anuais, devesse ter seu salário equiparado a um The Rock ou John Cena. Cabe a mim perceber que tal pensamento é retrógrado. Impossível que uma das mentes mais sagazes do wrestling moderno seja, destarte, tão tola.

No século XV, o mundo passava a deixar a tolice de lado. Todo o embrulho da Idade Média estava, aos poucos, sendo removido em vistas de um mundo mais equiparado aos ideais de uma evolução para a humanidade. Mas havia gente que não via isso. Se a Dinastia de Avis não tivesse tomado contas da situação, quem sabe se hoje eu, um brasileiro, poderia estar em contato com um blog português. Quiçá eu fosse apenas mais um mero ameríndio vivendo, no século XXI, a vida rupestre.

Era preciso antever que as Navegações seriam a evolução no mundo. Era preciso raciocinar que das especiarias já não se obtinha grande coisa. O wrestling, entende-se, desde os meados de seu surgimento com a WWE, deixou o projeto puramente “luta-livre” de lado. Vince McMahon, não é de hoje, é um dos maiores gananciosos nesse meio. Se não o fosse, não teria investido o dinheiro que investiu para alijar a TBS da WCW e tomar conta da sua programação de sábado (ainda que hoje se saiba o tremendo fracasso do Black Saturday – não confunda com Black Friday, geração Jeff Hardy...).

Assim, é natural que haja a dissociação da WWE, se comparada a uma Ring of Honor. Não se espera que exista uma meritocracia na empresa, onde os melhores sobem ao topo do plantel e conquistam títulos. Kofi Kingston ou Shelton Benjamin são alguns dos mid-carders mais talentosos da época em que acompanho wrestling e, confesso, muitas vezes ansiei vê-los numa oportunidade por um título mundial ou uma maleta Money in the Bank, que fosse. Mas não ocorre, pois isso seria suicídio burocrático da WWE. 

A cegueira de CM Punk, nesse aspecto, é grande. Ele não pode estar no patamar de um The Rock, se sequer conseguiu estabelecer-se como um draw concreto. E isso não é o que eu acho, mas o que realmente ocorre. Não é porque sou fã de Punk que preciso reverter todo um processo monetário que ocorre por trás das cortinas. De tal modo, é óbvio que a WWE preza pelo dinheiro. Embora concorde que Undertaker VS. CM Punk foi, de fato, um dos cinco melhores combates da streak, não posso relacionar, mesmo assim, qualidade com dinheiro recebido.

Nesse aspecto, é como se Punk fosse Vasco da Gama, um navegador, e quisesse interferir na Escola de Sagres. Ou seja, não é compatível.

Mas, como sei que você, leitor, deve estar tecendo o pensamento de que a interferência de um lutador na direção da WWE ocorre com gente como Cena, Orton, Lesnar, etc, cá vai meu contra-contra-argumento.

O primeiro ponto em que você está errado é o fato de que Punk, ao contrário do que foi afirmado no podcast de Colt Cabana, tem (ou tinha) poderes no backstage. A prova da influência que o Best in the world exercia em suas feuds ou, de maneira geral, na sua carreira, está no fato de que o seu grande momento, em 2011, foi todo projetado por ele. Prestes, então, a deixar a companhia, lhe foi cedido um espaço naquele RAW Roullete para expressar sua indignação. E ele o fez – em tal nível de excelência que é até hoje lembrado. Pensem vocês que estávamos em 2011, e esse tipo de liberdade é, se comparada a qualquer outro momento da PG Era, algo raro.

Digo mais. Punk iniciou ali uma mudança, na qual a WWE percebeu que podia, ainda que com cautela, projetar seus lutadores em momentos que não fossem, propriamente, direcionados ao público infantil. Agradeçam ao precursor Punk, por exemplo, pelo beijo lésbico entre Brie Bella e AJ Lee no domingo. Não fosse ele, continuaríamos recrudescidos numa ferrenha era do parental guidelines.

Pois, então, alguém ainda deve me explicar o motivo da construção excessiva, ao longo de toda a entrevista, de uma imagem, para Vince McMahon, de um gigante Adamastor. Chega a ser repetitiva a insistência em conduzir ao dono da WWE as responsabilidades de feuds péssimas na carreira de Punk. Se McMahon fosse, como se supõe na gravação, a criatura monstruosa da obra de Camões, então estaríamos, como fãs de wrestling, acabados.

Existem pontos que devem ser realçados nesse excerto da entrevista. O primeiro é que absolutamente todo o lutador da WWE já passou pelas mãos de uma feud ruim ou por um lutador inexperiente. Punk, ao reclamar de Ryback, deve ter esquecido que Cena (ao qual o Chicago made atribui a acepção de golden boy na empresa) passou por situações muito piores. Existe aqui, em parte, a explicação do sucesso de Cena: a subordinação. O hoje maior nome da companhia, na sua ascensão ao topo, passou por rivalidades embaraçosas ao extremo. Relembro algumas: The Great Khali, John Laurinaitis, Tensai, Kane.

Soa-me chorosa a reclamação, que aparenta ser infundada, de que uma feud com Ryback é o enterro de um lutador. O próprio Cena rivalizou com o Big Guy e, mesmo assim, ainda mantém-se no topo. A subida de um lutador ao status de John não é feita em um ano, como parece objetivar Punk. Ela é realizada com etapas, construída aos poucos de modo que se molde um produto satisfatório ao público (e não estou dizendo com isso que Punk não era um produto satisfatório – muito pelo contrário).

Falta a paciência e, sobretudo, a aceitação do que se passa no alinhamento das rivalidades dentro da WWE. Punk não pode esperar que exista uma organização das feuds, com algo planejado com meses de antecedência. Em 2014, por exemplo, a organização da empresa atingiu níveis pífios – veja-se o Hell in a Cell.

Então, disso, podemos avançar a um dos momentos finais da entrevista, no qual Punk esclarece sua negação em enfrentar Triple H na Wrestlemania. Aqui, outra vez, o Best in the world recai a sua notória teoria da conspiração contra Triple H.

Preciso, antes de avançar, reiterar algo. Se, como afirmei, Punk é arrogante, Triple H é duas vezes mais. Pois bem, agora avancemos.

Acredito que, de verdade, exista uma rixa entre Hunter e Punk, criada pelo primeiro. São muitas as histórias que notabilizam Triple H como alguém que refreia pushes e estabelece uma espécie de monarquia na maneira como dirige-se a WWE. Contudo, não existe a demonização de HHH – ao menos não da forma incisiva como é feita no podcast.

Triple H, ao longo desses últimos anos em que obteve maior liderança na WWE, criou muitas novas estrelas e alçou alguma delas a condições que não ocorriam antes. Daniel Bryan é um exemplo. Cesaro é outro. Mesmo assim, isso não justifica que HHH seja um benfeitor.

No início da carreira de Punk na WWE, realmente ocorreu a tentativa de abaixá-lo ao insucesso, algo que foi preconizado pelo próprio Triple H. Mas isso foi em meados de 2006 e, avançando no tempo, 2011 não mais representava um perigo ao sucesso do Chicago made. A feud em que Hunter “squashou” (se a vencer com três pedigrees é squashar, então que seja) Punk passa longe de ser o enterro do Best in the world. Tanto que, no Survivor Series do mesmo ano, lá estava ele vencendo Del Rio. Existe aqui, então, um mal entendido.

E o explico, para finalizar: Punk quer ser Cena. Existe, na WWE, apenas um lutador que vence todos os meses (mesmo assim, não vamos nos esquecer que Cena já foi “squashado” por Big Shows, Tensais, Sheamus, etc.). Nem mesmo Randy Orton (que embora  pior em ringue, esteja um degrau acima do straight-edge) consegue tal façanha.

Porque diabos a vitória de Punk no Money in the Bank o tornaria invencível para sempre? Não poderia ele perder para Triple H, um hall of famer?

Veja o caso de Brock Lesnar, que chocou a muitos, inclusive a mim. Em 2014, terminou com a streak, squashou (sem aspas) John Cena (quebrando um push de Cena que, curiosamente, começou no Money in the Bank 2014) e, um PPV depois, teve seu combate terminando em desqualificação. Será que, na lógica punkyana, não caberia a Lesnar chegar na direção da WWE e simplesmente dizer que aquilo estava errado? Que ele, como o maior nome da empresa em 2014, deveria vencer a todos de maneira convincente?

Mas eu entendo. Punk é diferente. Punk não é acomodado como muitos e, desse tipo de pessoa, o mundo precisa. O mundo atual é muito diferente do século XV. A globalização que começou nas Navegações permitiu a que hoje estivéssemos todos ligados, ainda que por relações supérfluas e vazias. O mundo de hoje é fácil, e as implicações dessa facilidade são justamente a comodidade com que encaramos governos que exploram a nossa economia ou com guerrilheiros que matam a cidadãos. E, nesse quesito, por Punk ser tão diferente, tão revolucionário, talvez esteja eu sendo inadequado nesse meu texto. Talvez o pensamento de Punk seja uma ideologia diferente da minha. Talvez ele esteja a frente do nosso tempo, como Portugal esteve no século XV. A minha relação, entretanto, com a entrevista do antigo campeão da WWE é, ainda assim, de discordância. Pode ser que eu seja um ameríndio muito atrás na filosofia que é impetrada por um ser diferente, um ser que muito conquistou e, distinto de qualquer outro, abnegou a tudo para manter-se fiel a sua ética e seus princípios.

Talvez Punk seja o que o mundo precisa. Alguém fiel ao que acredita, mesmo que existam muitos contra suas ideias (dentre os quais me encaixo).

Sempre fui fã e continuo sendo desse lutador magnífico e, sem discussões, um dos melhores de sempre. Entretanto, cabe a mim a diferenciação de que, ao mesmo tempo que venero sua personagem televisiva, discordo em grande parte da pessoa por trás da cortina. Mas não discordo totalmente. Todavia, no que tange a sua saída da WWE, não há como possa compactuar com 100% do que foi dito.

Existe, sim, muito de errado na WWE. Mas alguns dos pontos denunciados por Punk, na minha opinião, não enquadram-se nesse contexto.

Até a próxima semana.
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