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Literatura Wrestling | Yes! My Improbable Journey to the Main Event of Wrestlemania - Capítulo 4 - Parte 4


Está de volta a Literatura Wrestling, o espaço de traduções do blog que vos traz uma obra biográfica, na íntegra, reveladora das origens, vida e decorrer da carreira de alguns dos mais marcantes wrestlers que percorreram os ringues que acompanhámos com tanto gosto.

Todas as semanas vos traremos um excerto do livro "Yes!: My Improbable Journey to the Main Event of Wrestlemania", publicado em 2015 por Daniel Bryan e pelo co-autor Craig Tello, a contar o crescimento e peripécias do "Yes! Man" até à sua chegada à WWE e ao main event da Wrestlemania. Boa leitura!


(...)

Assim que deu as 9 da manhã, Shawn Michaels reuniu-nos e apresentou-se a ele e aos outros treinadores, e pouco depois começámos a treinar. O meu primeiro dia de treino foi um verdadeiro abre-olhos. Tinha tentado vir para a escola na melhor forma possível, e estava confiante no meu condicionamento, mas estávamos no segundo andar de um prédio sem ar condicionado. Começámos com condicionamento, a fazer alguma corrida, alguns exercícios de peso corporal como agachamentos e flexões, e algum treino de circuito. Olhei à volta e podia ver o calor a fazer o seu efeito nos outros alunos. Alguns deles começaram a vomitar durante esta porção do treino, que durou mais de uma hora. A seguir, fizemos alguns rolamentos do tipo ginástica dentro do ringue. Entre o calor, a exaustão, as tonturas causadas pelos tombos, tipos começaram a vomitar para um lado e para o outro. Alguns chegavam à casa-de-banho, alguns apenas conseguiam chegar à janela para vomitar no passeio por baixo, e alguns nem a isso chegaram. Simplesmente vomitavam no chão. Eu fiz o meu melhor para resistir à urgência e, de todos os tipos, o Lance Cade e eu fomos os únicos que não vomitamos. Acabámos os dias com uns sprints, e no final, o Shawn deu-nos um discurso de motivação. Eu estava tão exausto que nem me lembro do que ele disse. Para mim, inícios são sempre o mais difícil, e sentia-me óptimo por saber que tinha completado o meu primeiro dia de treino de wrestling.

Apesar do Shawn ter começado uma aula em part-time no início do ano, nós éramos a sua primeira turma a tempo inteiro e, como tal, tínhamos muito sucesso. Em muitas escolas de wrestling, a maioria dos gajos que começam o treino nunca têm sequer um combate. Dos vinte indivíduos que começaram nessa primeira turma, mais de metade acabou por ser capaz de lutar em, pelo menos, alguns combates, e três de nós - Lance Cade, Brian Kendrick e eu próprio - acabámos por deter títulos na WWE.

Lance captou o olho de Shawn logo desde o início. Ele era um tipo grande do Nebraska, - alto (1,95m), musculado e atlético. Ele também tinha bom aspecto, com o seu longo cabelo loiro, e com apenas dezoito anos na altura. Nesse primeiro dia de treino, entre todos os exercícios de relaxamento e rolamentos, também fizemos algo que envolvia salto. Lance conseguia saltar até à Lua e, quando o Shawn o viu a saltar tão alto, imediatamente disse - à frente de todos - "Cheira-me a dinheiro." Estava claro que o Lance Cade era um dos favoritos iniciais do Shawn.

Levou mais tempo a mim e ao Brian Kendrick para apanhar a atenção do Shawn. Ambos éramos mais pequenos - eu com um 1.72m e o Brian com 1.67m - mas trabalhávamos o nosso máximo em todas as provas, independentemente do quão mundanas. De facto, devido à nossa partilha de ética de trabalho, não levou muito tempo até o Brian e eu nos tornarmos amigos.

O Brian é excelente, tanto como wrestler e como pessoa, e tive sorte em termos tido as aulas ao mesmo tempo. Ele tinha crescido em Lacey, Washingston, apenas a cerca de uma hora de Aberdeen, e ele amava wrestling tanto quanto eu. Ele tinha a sua própria colecção de cassettes de wrestling, e às vezes ele vinha visitar e assistíamos às cassettes juntos, a falar sobre coisas que gostaríamos de aprender. Brian tinha provavelmente vinte anos quando chegou lá, mas ele tinha um entendimento de como o mundo funcionava muito melhor do que eu. Ele também era um espírito livre e não se importava com o que as pessoas pensavam dele. Alguns anos antes, Brian tinha ido a uma escola de wrestling em Austin, Texas e apesar de ter tido um par de combates, ele sentia que a escola era uma falcatrua, então desistiu e poupou o dinheiro. Quando a escola de Shawn abriu, Brian saltou e agarrou a oportunidade. De modo a poupar na renda, ele ficava em casa da tia em Austin e fazia a viagem de noventa minutos de carro todos os dias, depois de volta a casa para trabalhar no seu emprego nas pizzas à noite. Ele trabalhava mais duro que qualquer outro na nossa turma.

Apesar de ser a escola do Shawn e ele estar lá para quase todas as aulas, Rudy Boy Gonzalez foi o nosso treinador primário. Rudy era um personagem. Apesar de ter apenas 1.72m, tinha um estômago enorme que era duro como pedra, além da maior cabeça que eu já alguma vez vi. Mas ele era bastante ágil e hilariante, para começar. Ele já lutava wrestling há anos e era um excelente treinador e uma das principais razões para o meu sucesso inicial.

Dias mandatórios de aula eram Terça, Quarta e Quinta, das 9 da manhã até ao meio-dia, mas o Brian e eu andávamos a treinar bem mais tempo que isso. Rudy ficava até tarde a trabalhar connosco, e ele abriria o ginásio a qualquer dia que quisessemos entrar e treinar. Ao início ele apenas nos ajudaria com os básicos que aprendemos em aula, como Space Flying Tiger Drops ou Moonsaults para o chão. Se o Brian ou eu vissemos algo numa cassette e quiséssemos aprendê-la, Rudy tentaria ensiná-la a nós. Havia coisas que simplesmente não éramos fisicamente capazes de fazer, mas não descobres isso até tentares. Sempre que falhávamos alguma coisa, o Rudy dáva-nos algum conselho ou partilhava a sua perspectiva sobre como o podíamos ter feito melhor. Apenas ao estar lá para nós e a tão livremente partilhar o seu conhecimento, Rudy inspirou-nos a trabalhar mais duro. A sua paixão por ensinar realmente se destacou.

A paixão do Shawn por wrestling também era aparente, e vê-la humanizou-o aos meus olhos. Gradualmente ele transformou-se, a partir do Superstar por quem eu tinha admiração, num treinador que eu respeitava (admito, ainda com um pouco de admiração). Shawn era tão apaixonado que ocasionalmente entrava no ringue e realmente levava com as manobras, mesmo que não fosse suposto devido às suas costas. Uma vez estávamos a aprender Back Body Drops, um dos bumps mais altos do wrestling, e nenhum de nós estava a levar com ele muito bem. Podíamos até aterrar bem, mas não estávamos a conseguir altura suficiente para fazer a manobra parecer espectacular.

Shawn era um mestre a levar bumps. Ele destacava-se a fazer os seus adversários parecer fantásticos ao receber uma manobra tão banal como um Back Body Drop e chegando tão alto que parecia que o adversário o tinha atirado aí uns 4 ou 5 metros no ar. Visto que estávamos a chegar nem perto dessa altura, Shawn paráva-nos, dizia-nos como ter mais altura para o bump, depois fazia-nos tentar outra vez. Ele continuou a explicar e a explicar, mas por muito que tentássemos, nenhum de nós parecia estar a chegar mais alto. Finalmente ficou tão empolgado que ele lá entrou e levou, ele próprio, um Back Body Drop para nos mostrar, apanhando tanto ar que o pé dele bateu numa das vigas do tecto.

De repente, de uma das portas, ouvi uma mulher a gritar, "Michael Shawn Hickenbottom! Que estás a fazer?!" Era a Carol, mãe do Shawn, e ela passou-lhe um raspanete à frente de todos nós por ir contra as ordens do médico. Instantaneamente ele deixou de ser o wrestler Superstar Shawn Michaels e tornou-se um filho a ser repreendido pela mãe.

Outra coisa que tirou Shawn do pedestal onde eu o tinha colocado foi o seu problema com analgésicos, do qual ele fala no seu livro. Maior parte do tempo, ele era excelente mas ocasionalmente aparecia de óculos-de-sol, assistia à aula por um bocado, depois adormecia na cadeira. Como eu era suficientemente ingénuo para não saber o que eram analgésicos, achava que talvez estivesse bêbado. De qualquer forma, apercebi-me que não importava quanto sucesso tivesse, Shawn Michaels era apenas mais um gajo com as suas próprias batalhas, que também calhava ser excelente em wrestling. E na verdade, o que o colocou de volta ao pedestal não foi o seu wrestling - que, quando ele teve o seu regresso, alguns anos mais tarde, pode ter estado melhor ainda que antes - mas a sua habilidade de deixar os analgésicos. O vício é um cabrão e ele derrotou-o.

Por muito tempo foquei-me apenas em wrestling, excluindo tudo o resto. Apesar de eu não ter muito dinheiro, eu trabalhava o mínimo possível. Eu conseguia qualquer trabalho merdoso de salário mínimo que conseguisse, que combinasse com a minha agenda, e assim que juntasse dinheiro suficiente para pagar as minhas contas durante um mês ou dois, demitia-me. Uma vez, eu achava que tinha conseguido o jackpot com um trabalho como armazenista para a Victoria's Secret. O meu primeiro dia era suposto ser uma Sexta-Feira mas, ao último minuto, foi-me pedido para a equipa técnica do ringue para um espectáculo. Liguei a perguntar se podia começar num dia diferente, e a gerente disse-me que depois me ligava com novo horário de começo. Não me tornou a ligar. Em vez de trabalhar com soutiens e cuequinhas, acabei por conseguir um emprego decente numa livraria Cristã, onde enviávamos Bíblias para igrejas. Tive-o durante um mês, depois desisti. Por sorte, a minha metade da renda era de apenas 200$ e eu sabia como viver com muito pouco dinheiro. Isso significava que ia ter que comer manteiga de amendoim e tortillas de geleia (que eram mais baratas que pão) todo o tempo. Se não requerires muito dinheiro para viver, dá-te uma certa quantidade de liberdade, e essa liberdade permitiu-me dedicar-me a cem por cento ao wrestling.

Treinar wrestling é difícil, muito devido ao contacto que é tão único. Existe muito contacto em desportos como o futebol, mas não do mesmo tipo. Se eu for um receptor a tentar saltar para um passe a meio do campo, há uma boa chance de ser placado, mas o receptor tenta não ser placado, e o quarterback tenta atirar a bola à melhor posição possível para que o receptor apanhe e fazê-lo sem que lhe tirem a cabeça fora. Wrestling é diferente. Quando o meu adversário me faz uma placagem com o ombro, eu tento "atacar o tapete", levando um bump o mais rápido possível, além de o fazer em segurança. Tentar desaprender anos de tentar não cair é difícil, e difícil para o corpo.

À medida que os treinos foram avançando, malta começou a sair. Alguns afastavam-se devido a lesões, alguns por assuntos pessoais, e alguns porque o wrestling se revelara mais árduo que o que eles pensavam. O meu colega de quarto AJ acabou por sair a meio do decorrer das aulas porque tinha uns assuntos para tratar na Florida. Felizmente, ele pagou a sua metade da renda durante o resto do tempo de arrendamento, pelo que lhe fiquei grato. Abriu espaço no apartamento para o Kendrick ficar para que ele não tivesse que conduzir até Austin todas as noites. Não só eu gostava da companhia dele, como também lhe deu mais tempo e energia para treinar, o que nos tornou a ambos melhores.

Lenta mas seguramente, aprendemos o suficiente para ter combates, começando com combates básicos no treino após sete semanas. Ao início, Shawn e Rudy apenas nos diziam exactamente o que fazer. Enquanto estávamos no ringue, Rudy diria algo como "Bryan, prende um Headlock." Eu prendia o Headlock. Depois ele diria, "Agora derruba-o." Eu derrubava o tipo. Ele ordenaria o meu adversário a um Head-scissors, que ele faria, e continuaríamos até Rudy acabar o combate ao chamar por uma manobra como um Small Package e dizendo à pessoa sob o pin para não fazer o kick out. Em breve já estávamos a fazer os nossos próprios combates na Academia. Nossa, que eram podres. Se nunca viram a primeira tentativa de alguém de ter um combate, é cómico, e os meus não eram diferentes. Mas à medida que íamos treinando, os combates melhoravam.

Eu estava sentado em casa num Domingo à tarde quando o Rudy me ligou e disse-me que ia ter o meu primeiro combate de wrestling profissional dentro de dois dias. Eu estava tão entusiasmado que mal conseguia falar. Quando finalmente consegui, papujei um agradecimento e depois perguntei, "Que devo usar como equipamento?"
Rudy disse para não me preocupar; ele conhecia um gajo e vinha já buscar-me dentro de uma hora.

Algumas semanas prévias a esta chamada, Shawn estava a falar connosco após aula. Ele disse que, se ainda não o tínhamos feito, devíamos começar a pensar nos nossos nomes de wrestling. Não tinha nenhuma boa ideia além de usar o meu nome verdadeiro, então perguntei ao Shawn o que ele achava. Ele comprimiu o queixo, pensou no assunto por um segundo, depois respondeu com "Que tal, o 'American Dragon'?"
Não gostava propriamente mas tinha demasiado medo de lhe dizer. "Porquê?", perguntei.
"Porque tu lutas como um gajo Japonês," respondeu ele. Tomei isso como um elogio. E assim nasceu o American Dragon.

O tipo do equipamento vivia a quatro horas dali, em Matamoros, logo além da fronteira Mexicana, logo eu estava pronto com duas tortillas de geleia e manteiga de amendoim para a viagem quando Rudy me veio buscar. Ele não sabia exactamente onde era a casa do indivíduo, no entanto, então tivemos que ir buscar outro wrestler que vivia no lado Americano da fronteira para mostrar-nos onde ir. À medida que atravessávamos a fronteira, descobri que eles nem sequer tinham o número de telefone do gajo do equipamento, logo nós íamos apenas lá parar e ver se ele estava em casa. Parecia tudo muito mal planeado.

À medida que nos aproximávamos da casa do homem do equipamento, eu distintamente recordo-me de ver uma data de cães presos nos telhados das casas. Perguntei porque é que os cães estavam nos telhados das pessoas, e o amigo do Rudy disse, "Ah, é para que as pessoas não os comam." Eu estava aterrorizado.

Quando finalmente chegámos à casa do fabricante dos equipamentos, por sorte, ele estava em casa. Rudy descreveu como ele queria que o meu equipamento fosse: calças justas longas e vermelhas com dragões dos lados, juntamente com uma máscara de cor semelhante que parecesse um dragão para cobrir o olhar vazio que eu tinha quando lutava. Suplementaríamos qualquer coisa que ele criasse com sapatos de wrestling amador e caneleiras brancas que tínhamos conseguido numa loja de artes marciais. O gajo do equipamento disse que conseguia tê-lo pronto nessa mesma noite, mas que lhe levaria cerca de quatro horas. Ele nem sequer me mediu, o que me fez questionar se toda esta escapada tinha sido boa ideia.

Para queimar tempo, comemos num restaurante Mexicano lá perto. Apesar de todas as "tortilla chips" de graça, isso apenas nos levou 45 minutos. A tentar descobrir o que íamos fazer, a malta decidiu que me levariam a um sítio onde eu nunca tinha ido: um bar de strip. O meu voto de não ir não contou.

Pensas que ver a tua primeira mulher nua ao vivo seria excitante para um miúdo de dezoito anos, mas não foi. Eu estava horrorizado. Neste caso em particular, ver a minha primeira mulher nua ao vivo, coincidiu com ver a minha primeira cicatriz de cesariana nua ao vivo. O Rudy e o amigo assistiam e riam-se enquanto eu me encolhia e afastava de uma mulher que veio ter comigo, lambeu-me a orelha, e disse-me algo em Espanhol. Não faço ideia do que ela disse, mas tudo o que eu queria era sair daquele bar. Parecia o sítio mais sujo onde eu já tinha entrado, e estava assustado de morte durante todas as duas horas que lá estivemos.

Finalmente voltámos a casa do gajo do equipamento por volta das 3 da manhã. O equipamento estava pronto e, extraordinariamente, tudo servia na perfeição. A máscara era um pouco apertada no nariz, mas para quem não me tinha medido, ele fez um trabalho incrível. Apesar de ter estado horrorizado uma hora antes, quando olhei ao espelho, estava emocionado. Foi quando senti que o meu primeiro combate era uma coisa real.

No próximo capítulo: Já introduzimos o quinto capítulo e já devem notar o progresso de Daniel Bryan como aluno nos treinos. Então... E começar a lutar mesmo a sério? Não percam as suas aventuras insólitas, nos seus primeiros combates, na próxima semana!

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