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Literatura Wrestling | Yes! My Improbable Journey to the Main Event of Wrestlemania - Capítulo 3 - Parte 2



Está de volta a Literatura Wrestling, o espaço de traduções do blog que vos traz uma obra biográfica, na íntegra, reveladora das origens, vida e decorrer da carreira de alguns dos mais marcantes wrestlers que percorreram os ringues que acompanhámos com tanto gosto.

Todas as semanas vos traremos um excerto do livro "Yes!: My Improbable Journey to the Main Event of Wrestlemania", publicado em 2015 por Daniel Bryan e pelo co-autor Craig Tello, a contar o crescimento e peripécias do "Yes! Man" até à sua chegada à WWE e ao main event da Wrestlemania. Boa leitura!



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O meu amor por desporto tornou-se em amor por cartas de desporto, mesmo que eu tivesse tendência a olhar para elas mais como um investimento do que como um hobby. A minha geração de miúdos a guardar as suas cartas desportivas porque viriam a valer dinheiro um dia. Na altura, eu achava que a minha irmã era estúpida por guardar o dinheiro dela em vez de comprar cartas como eu fazia. Eu acreditava que as cartas iam ganhar valor, ao contrário das poupanças da minha irmã que ela apenas mantinha no seu quarto, sem acumular qualquer interesse.

Eram predominantemente cartas de basebol, ao início, depois expandi para cartas de basquetebol e cartas de futebol (americano). Eu até tinha algumas cartas de wrestling. O interessante (ou infeliz, dependendo de como olham para a coisa), é que eu não gostava daqueles tipo Michael Jordan. Acabei por coleccionar muitos jogadores que eram bons mas não eram necessariamente estrelas. No basebol, em vez de gostar do Ken Griffey Jr. - que estava nos Seattle Mariners e cujas cartas valiam sempre muito - eu gostava do Roberto Alomar e do Paul Molitor. Eu achava, "Oh, o Paul Molitor é tão bom. Quando pessoas se aperceberem do quão bom ele é, a carta dele vai valer dinheiro." Às vezes eu trocava uma carta do Frank Thomas - que era enorme na altura - por um par de Robertos Alomars. Mesmo que eu não fosse óptimo a perceber o verdadeiro valor de cartas desportivas, a minha primeira tentativa a ser um empreendedor envolvia-me a tentar vender cartas com o meu amigo Scott.

Durante o Verão - com o clima a permitir - nós montávamos uma mesa no exterior da minha casa, organizávamos as nossas cartas como homens de negócios, e colávamos um cartaz à frente a dizer CARTAS DE BASEBOL À VENDA. Nunca havia muito tráfico na nossa rua, e normalmente os nossos únicos "clientes" eram miúdos que não tinham dinheiro, logo acabávamos a jogar futebol ou "wiffle ball" no quintal da frente.

Após um Verão, Scott e eu reunimos todo o dinheiro que tínhamos guardado, que foi um total de 40$. Nas nossas cabeças, isso deve ter parecido um milhão de dólares, porque estávamos convencidos de que seríamos capazes de começar este império de troca de cartas com esse dinheiro. Acabámos por ser apenas capazes de pagar por uma única caixa de cartas de basebol da Leaf, que foi uma desilusão.

Ainda assim, continuei a coleccionar cartas até aos catorze anos, e mantive-as no sótão no caso de vir a valer alguma coisa um dia. Não valem. Infelizmente, cartas desportivas daquele tempo - tal como as bandas desenhadas que eu também tenho ainda - foram tão produzidas em massa que não há escassez, e elas valem menos do que quando eu as coleccionava nos 80s e 90s. Afinal a minha irmã tinha tomado a decisão certa. É aí que um entendimento funcional de economia tinha-me feito muito jeito.

Tal como as revistas de wrestling me ajudaram na leitura, as cartas desportivas também serviram o seu propósito. Há todo o tipo de estatísticas nos versos das cartas e eu estava obcecado em descobrir o que todas elas significavam. Descobrir coisas como médias de batimentos ou percentagens de pontos deram-me uma melhor percepção de divisão, percentagens e pontos decimais, e fez a Matemática parecer divertida em vez de um aborrecimento. E mais, procurar o valor das cartas nas revistas de preços ajudou quando era altura de encontrar coisas no dicionário ou explorar materiais de referência na biblioteca. Educação pode ser divertida se enquadrada da forma certa.

Vender cartas desportivas não era a única maneira que eu tentava para fazer dinheiro quando era miúdo. Após o divórcio dos meus pais, não tínhamos muito dinheiro. A minha mãe não tinha qualquer tipo de formação académica e estava a ter dificuldades em encontrar um emprego, então quando a Billie Sue e eu tínhamos idade suficiente - cerca de dez, onze anos - cada um fazia um caminho diferente a distribuir jornais. Todos os dias, faça chuva ou Sol, um monte grande de jornais seria entregue na nossa casa e nós saltávamos para as nossas bicicletas para os entregar. Como a maioria das outras coisas, eu tornei-o num jogo e nem sequer o sentia mesmo como um trabalho, apesar que também tínhamos que ir de porta em porta a colher os pagamentos das pessoas no final do mês, algo no qual eu não era bom.

Em teoria, para cada uma das nossas rotas, era suposto juntarmos cerca de 100$ por mês. Dávamos cerca de metade do que tínhamos colhido de volta para o "Daily World" e podíamos ficar com a outra metade. Daí, a minha mãe deixáva-nos ficar com uma pequena porção, e o resto iria para o orçamento familiar, as nossas poupanças e o dízimo para a Igreja. Infelizmente, nem sempre o nosso salário resultava dessa maneira.

Eu sempre tive um medo irracional de pedir dinheiro às pessoas, possivelmente porque tínhamos tão pouco. Até mesmo algo tão simples como colher 7.25$ por mês a pessoas que tinham subscrito o serviço, de alguma forma, aterrorizava-me. Por volta do dia 15 de cada mês, era suposto começarmos a colher, e tínhamos cerca de uma semana para que entrasse tudo. Apesar de eu ser cauteloso em deixar os jornais às pessoas diariamente, já o era menos quando era para recolher o dinheiro. Ao início nem parecia grande assunto, mas depois eu encontrava clientes que pareciam perturbados ou chateados quando eu lhes batia à porta a pedir-lhes o pagamento, especialmente se já deviam mais do que um só mês.

Por vezes quando ia cobrar, pessoas não estavam em casa, então se tentasse cobrar um par de vezes num mês e falhassem ambas, simplesmente recebia o pagamento dos dois meses no mês seguinte. Havia uma casa que eu tinha falhado por alguns pagamentos seguidos, o que nem era incomum porque há muito trabalho por turnos na cidade. Pela altura em que finalmente os apanhei, eles deviam-me quatro meses, cerca de 30$. O gajo explodiu em mim quando descobriu quanto devia, e de alguma forma senti que eu é que estava errado. Tornei-me ainda mais hesitante em cobrar a partir desse momento.

Pouco depois, se havia gente que devia mais do que dois meses, eu simplesmente parava de lhes cobrar completamente. Também havia algumas casas que eu já estava a avançar porque me assustavam. Ficou tão mau que num mês, quando chegou a altura de enviar o dinheiro para o "Daily World", já lhe devíamos mais que o que eu já tinha juntado. A minha mãe estava fora de si e não entendia o que se tinha passado. Nós já estávamos com dificuldades e depois, o que era suposto ser uma fonte de rendimento, tornou-se uma dívida. Depois disso, comecei a sair-me um pouquinho melhor, mas ainda assim nunca fazíamos quanto devíamos, simplesmente porque eu detestava cobrar.

Assim que a minha irmã fez dezasseis anos, ela conseguiu um emprego no McDonald's, e quando eu fiz quinze, ela conseguiu ajudar-me a conseguir um trabalho lá, também. Com essa idade, tudo o que era suposto fazer era trabalhar algumas horas por semana, a limpar e a varrer o chão e a tirar lixo. Um dia, estavam com falta de mão na cozinha porque alguém tinha faltado. Eles mostraram-me como se cozinhava os hamburguers nestes mini-tabuleiros, e não era difícil. Eu fi-lo e tornei-me muito eficiente.

Devo ter feito um bom trabalho, visto que pouco depois me colocaram na cozinha para todos os meus turnos, mesmo que não fosse suposto, e eu estava a trabalhar mais do que vinte horas por semana (o limite para a minha idade no estado de Washington na altura). Acho que simplesmente se esqueceram da minha idade. Tornou-se o meu dever encher o tabuleiro de carne e nunca mais limpei o chão e essas coisas.

Muitos anos antes dos meus anos de trabalhador, a minha paixão por wrestling aprofundou-se quando eu descobri que podia ver na televisão. Não víamos muita TV e não tínhamos cabo, logo isso nunca me tinha ocorrido antes. De repente as personagens que lia nas revistas ganhavam vida. Ver o Ultimate Warrior a levantar um homem adulto sobre a cabeça e deixá-lo cair no tapete num press slam era ainda mais impressionante que o que parecia nas revistas. A foto de alguém, de pé, encima da corda superior não se comparava a assistir à glória, movimento e destruição de um "elbow drop" do "Macho Man" Randy Savage.

Visto que eu não tinha qualquer conceito de programação televisiva, eu percorria os canais sempre que ligava a TV, na esperança de apanhar wrestling de alguma forma. Precisei de algum tempo (posso ser lento a aprender por vezes), mas finalmente me apercebi que dava todos os Sábados de manhã.

Eu era o único fã de wrestling na família, mas a única vez que me lembro de alguém em casa ficar irritado com o meu fanatismo foi durante os play-offs da NFL. Parecia-me a mim que a época de futebol era a altura do ano favorita do meu pai. Ele adorava ver futebol e os Seattle Seahawks, a equipa da nossa terra, que ele seguia desde a sua primeira época em 1976. Maior parte dos anos, eles eram mauzinhos mas em 1988, os Seahawks ganharam na sua divisão pela primeira vez e estavam direccionados aos play-offs. O jogo foi a um Sábado contra os Cincinnati Bengals, e durante toda a semana o meu pai tinha falado em assistir, mas eu insistia em ver wrestling.

Eu devo ter estado a discutir implacavelmente para ver o meu programa de Sábado de manhã, porque o meu pai, normalmente o mais paciente possível, estava finalmente irritado. "Os play-offs só acontecem por algumas semanas por ano e os Seahawks vão jogar," disse ele. "Wrestling dá todas as semanas!" Eu eventualmente cedi mas estava desapontado porque os British Bulldogs iam lutar nesse dia. (Eu adorava o Davey Boy Smith e o Dynamite Kid - não tanto porque o Dynamite Kid era um dos performers mais revolucionários de todos os tempos, mas mais porque achava a cadela deles, a Matilda, tão fofa.)

Ao início, o meu amigo Abe era o único outro miúdo que eu conhecia que gostava mesmo de wrestling. Quando eu ocasionalmente ia a casa dele, brincávamos com os bonecos gigantes de borracha da LJN Toys. Parecia que ele os tinha todos - não apenas os populares como o Hulk Hogan e o Jake "The Snake" Roberts, mas até mesmo algumas das personagens mais obscuras como o Special Delivery Jones e o Outback Jack. Além disso, ele tinha dois ringues, logo podíamos ambos pô-los a lutar. Pouco tempo depois, entretanto, Abe perdeu interesse em wrestling, e tornou-se apenas a minha cena por um tempo.

Só quando cheguei ao ciclo é que descobri outros miúdos que também gostavam de wrestling. O maior desenvolvimento foi quando eu descobri que os meus amigos Tony Sajec, Schuyler Parker e John Manio, tinham criado a sua própria liga de wrestling, que eles chamavam Backyard Championship Wrestling (BCW), apesar da maior parte da acção decorrer em espaço fechado. Por vezes lutavam um contra o outro, mas a maioria dos combates envolviam o Big Bad Brown, um urso de peluche gigante que também era o campeão deles. A certo ponto convidaram-me a mim e ao meu amigo Evan Aho, e tornou-se uma coisa regular. Eventualmente, o Big Bad Brown retirou-se e o nosso wrestling evoluiu para outra coisa inteiramente nova. Ao início era em casa do Tony (onde residia o Big Bad Brown) e nós apenas meio que lutávamos no chão. Cedo mudámos a diversão para a minha casa, e pelo fim do liceu, os meus melhores amigos eram os gajos que viam os pay-per-views de wrestling em minha casa regularmente. Eram o Mike Dove e o seu irmão Jake, Evan e o seu irmão mais novo Kristof, o Tony, o Schuyler e o John. O primeiro show da WWE que eu encomendei foi o Royal Rumble em 1996. Depois adquirimos a Wrestlemania XII, que tinha o evento principal épico, o combate Iron Man entre o Bret "Hitman" Hart e o Shawn Michaels. Antes de começar o programa, arrumávamos tudo na sala e estendíamos um colchão no chão, transformando assim a sala na Arena da BCW. Os cantos da sala eram os cantos do ringue, as paredes eram as cordas das quais nos impulsionávamos, e o sofá era o canto superior caso quiséssemos fazer uma "Elbow drop" do Macho Man ou assim.

Se és fã de wrestling por um extenso período de tempo, provavelmente já viste ou ouviste sobre as aventuras do Mick Foley no backyard wrestling, particularmente o momento em que ele saltou do telhado da casa dele. O nosso wrestling era diferente. Por vezes tentávamos mesmo aprender a sério as manobras que víamos na TV, mas mais frequentemente nós apenas estaríamos na palhaçada. O meu amigo Schulyer era o Hip Skip, cuja personagem nunca parava de correr durante vinte-e-quatro horas seguidas. Ele vinha a correr da rua, corria a porta de vidro, entrava a correr, fazia o combate, depois corria para fora. Também havia o El Bate, um wrestler com uma máscara do Batman que aparecia frequentemente em vídeos que fazíamos para a nossa aula de Espanhol (apesar de "el bate" na verdade significar "taco de basebol" e não ter nada a ver com o Batman).

Eu gostava de pensar que, por não estarmos a fazer as coisas mais loucas, que o que estávamos a fazer era seguro. Na verdade, não era, que é a razão para que a WWE agora faça todos aqueles vídeos a dizer às pessoas para não tentar isso em casa. E visto que era a minha casa e eu queria seriamente tornar-me um pro wrestler, eu estava constantemente a praticar coisas que eu achava que ia precisar de saber, como mortais para trás a partir do sofá. Fazíamos tudo num colchão, logo nunca pensámos em aterrar encima de alguém, com perigo. Apenas olhávamos para o saltar, rodopiar, virar para trás como a parte perigosa. Infelizmente, uma vez, eu saltei do meu sofá para um "twisting senton" e aterrei de costas directamente na cara do Kristof, partindo-lhe o maxilar. Teve que o fechar com fio e apenas foi capaz de comer por uma palhinha durante semanas.

Eu não queria que nada parasse o nosso wrestling, portanto não contei à minha mãe o que tinha acontecido. Já tínhamos sido avisados após rachar a parede no canto que usávamos como poste, e eu achava que algo tão sério como esta lesão podia acabar com o nosso wrestling de vez. A minha mãe não descobriu até muito tempo depois, quando estava a falar com a mãe do Kristof, Pam, que tinha sido muito calma e descontraída em relação ao incidente. Quando Pam mencionou o maxilar quebrado de Kristof, a minha mãe ficou tipo "Espera aí - o quê?!"

Felizmente, apesar de o ter magoado, Kristof mantém-se meu amigo até hoje. Ele e Evan e o Mike foram todos padrinhos no meu casamento, quase duas décadas depois. Kristof ainda me diz que a certa altura ele me partirá o maxilar em retorno. Sempre que o vejo, ele pergunta, "É agora?"

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No próximo capítulo: Conclusão do terceiro capítulo, com a sua terceira e última parte. A partir desta visita à infância e vida caseira de Bryan, entraremos num campo mais pessoal ainda: a sua família e cidade onde cresceu. Não percam!


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